Água de rosas, algodão em rama.
Hoje acordei de novo como bóia amarrada no bombordo das palavras por conter.
Não contenhas. Numa parede por caiar, li um dia que conter é verbo alagado de nós e nãos e nadas e portas batidas fechadas no trinco, que só se abrem com cuidar.
Cho co la te. Cho co la te. Navegava num mar de cho co la te quando na minha mão a vi dizer inteira:
- “A poesia, vai salvar o mundo”. Retorceu na sua língua um esperanto tsunami que tudo levou por ser crente cardíaco compulsivo e calvo. Fiquei à deriva.
Sem alternativa, achei que morria, mas Boca-a-boca, fui resgatado por um tapete voante de retalhos feito por canetas de tinta de choco pescado á candela nas noites temperadas do verão.
Esfarrapado pela intempérie de Hollywood, fui encontrado pela meia maré a encher numa praia postal com pocinhas de concha mimadas pela dança das algas que te ofereci. Sem redundâncias nem pesos por pesar.
Ai, nessa costa lá, apareceu. Corpo nú e delgado, um pedaço de palmeira na mão e carregando o som do marulhar de todas as ondas, um homem. Apareceu.
Deu-me água de coco, um abraço e a companhia silenciosa de todas as catedrais. E desapareceu dali ficando aqui, de onde nunca mais saiu.
Água de rosas, algodão em rama, um momento tão absurdo quanto um mundo com fronteiras e contentores. Naufragado.
2023. 100x100. Tinta acrílica sobre tela.
Série Devir
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Na Tate Modern, em 2006, vi Whaam, o díptico de Roy Lichtenstein. Nesse contacto, fui despido de alguns preconceitos e compreendi que o acto de pintar forma a uma cor eleva a composição representada a um amplo espaço de reflexão e significado. O compromisso e a meditação no método de pintura do preenchimento cuidando cada forma na sua individualidade, na aproximação, remetem para um estado de contemplação e calma que colide com a interpretação amplificada de uma vinheta, contendo uma explosão em cenário de guerra, anulando-a.
And yet… em Abril de 2012, em Luanda, alguém afixou a impressão de um comic de Silver Surfer na porta do escritório onde operava o Movimento X. Ao momento, ocorreu-me pintar a reprodução dessa imagem num dos quadros do corpo de trabalho que realizava. O impulso foi contido, não aconteceu. Contudo e tanto, a chama não se apagou na projeção do desejo de o vir a fazer no futuro.
Os guinchos, risos e vozes das crianças a brincar no recreio aqui ao lado foram substituídos por tubos de andaime batente, rebarbadoras que serram ferro e martelos pneumáticos que reconstroem sem término o muro da escola aqui na rua. Neste estúdio, no outono de 2015, pintei em catarse. Um processo de libertação de raiva, incompreensão e desespero tão violento que partiu sem conserto a grade de madeira. A tela resultante do que considerei ser uma terapia seria então publicada com o nome de Nemesis e ficou reservada com o escrito no verso: –“ficou por resolver começou a chover”. A base de Nashi.
Pintar um negativo era um projeto reservado para o culminar do ciclo de trabalhos identificados como Devir. Pintado na vertical, Nashi é um negativo. Um objecto photo-graphico que na sua inversão se revela unificado.
Na profundidade Atlântica, neste mesmo momento, Nashi, uma cria de baleia azul na cadência do nadar movimento eco advente do corpo de sua mãe, acorda para a consciência da interconectidade de um planeta que é Ela, viva, suspensa no infinito azul.