19 de fevereiro de 2022

MM 13

 



 

 

16 de fevereiro de 2022

lua leão





13 de fevereiro de 2022

12 de fevereiro de 2022

Carta Aberta aos 100x100 da Ericeira

Vale da Serra, 9 de Fevereiro 22

 

“Olá a Tod@s.

Escrevo para partilhar a gratidão e o privilégio que foi agora, e finalmente, conhecer-vos.

Aqui ao lado, nesta grande mesa de desenho que construí com pedaços soltos de madeira está, em processo de criação, a “Harmonia da Cooperação”. E é esta folha que irá absorver estas palavras que irão surgir sabe-se lá de que fundo do poço, ou de que lado da consciênçia, apenas para continuar a abrir janelas, para que continuemos juntos a colaborar e a metamorfosear a vida e a arte, nesta sinergia que é inevitável e é bonita, e é curativa.

Sou o João David, co-criador da Metamorfose Cósmica.

Há dias chegou-me o Rui aqui a casa, e entre abraços e noticias do mundo exterior, na sua bagagem de poeta e sonhador, vinha o catálogo da 100x100. Pude, enfim, por fim, conheçer-vos, pois por vicissitudes várias e outros caminhos impostos e necessários, estive ausente e distante da exposição, e não pude ver as vossas obras ao vivo. E assim recomeço hoje o mesmo caminho-reverso de sempre... à lareira, por dentro das chamas dançantes, com vontade de aqueçer o mundo, o nosso mundo.

Neste processo de harmonia e sincronicidade compreendi logo, ao folhear a 100x100, que não estava sozinho. Também eu nalgum momento abri o I Ching, e nas perguntas e respostas me encaminhei, lavei-me, levei-me, transportei-me, segui o rumo inevitável da consciênçia quando consegue por breves momentos atingir a sabedoria do coração. Agora sei, ao ler-vos e aos sentir-vos, que a verdade flutuava de obra em obra, através da mão de cada um de voçês, da mão, do coração, daquele “Power Within” que eleva as nossas moléculas a um saber quântico e universal de que cada um de nós participa no outro e nesta comunicação à distânçia, neste partilhar de pensamentos e sentimentos, recebemos duns e doutros a força e o alento, e assim conquistamos o nosso espaço-tempo no lugar sagrado da arte. A “Metamorfose Cósmica” foi para mim como um regressar à terra, mas um regressar vertiginoso, uma queda Sísifiana cuja pedra que rebolava desde o cume espezinhou todas as formas que tinha de comunicar com o mundo. Todas? Eu ainda existia aqui, numa morada física, mosteiro de portas abertas, escrevendo cartas à mão, resistindo... Em meia dúzia de meses apaguei da minha vida todas as apps sociais, o número de telefone, o email; a internet saiu de casa e fiquei só, só e concentrado, só com todos. Entrou “Númato-né”: A terra que me dá de comer chamava-me, as árvores à minha volta dançavam, o vento assobiava melodias de aconchego e o tumulto do mundo esbarrava nas paredes pintadas do meu portão. Senti-me livre, demasiado livre... Compreendi dia-a-dia que estamos todos no mesmo lugar-terra à mesma hora, sonhando, elevando a nossa consciênçia a um despertar que se quer e se anseia. Eu não digo que assim esteja certo, mas também não está errado, cada um vive nos extremos de que necessita, na sua bolha social, todos diferentes todos iguais e assim partilhamos experiênçias para sabermos que não estamos sozinhos. De alguma maneira inconsciente senti-me verdadeiramente consciente. As janelas que se abriram deram-me um respirar puro, um ar da serra deslizava pelas suas colinas trazendo o perfume da vegetação às minhas narinas, pacificando-me. E foi neste momento que me re-criei, com as vossas tintas e as vossas palavras, com os vossos sussurros, ecos ao longe que faziam vibrar as minhas cores. E é disto que somos feitos, é esta a sabedoria do Cosmos, da matriz universal que conecta as estrelas e nos encaminha. Eu acredito.

A 100x100 foi isto. Foi um “Solcris” que iluminou um novo mundo onde “Le Jeaus Sont Fait”. Precisamos ir em frente, e lavrar esta nossa Terra lançando nela as novas sementes que amanhã o mundo colhe. Ver as coisas verdadeiramente com novos olhos, novas cores, novos horizontes, abrir de vez todas as jaulas para que voemos livres como tucanos. Vivemos mesmo num mundo “Dead Pixel”, acorrentados a imagens que nos prendem, nos consomem, nos sugam e que nos impedem de ver a folha de erva que cresce aos nossos pés. É preciso Liberdade, muita, e só um chamamento Apache fará sair os vultos das suas sombras e das suas águas profundas, para saltar as grades e vedações que nos circundam e neste quebrar das muralhas fazer cair as fronteiras de “gaza” e erguer um novo templo que é uma 100x100 de todos e para todos. Acredito nisto.

E a 100x100 fez-me meditar nisto: Sinceramente, não consigo compreender isto da “Arte Contemporânea”. Cada vez que vejo um objecto destes sinto a minha mente estagnada. Há um fantástico-belo, sim e um incompreensível-feio. Vejo tudo misturado numa grande incrível e majestosa ficção de sentires onde tudo é gigante, para que ninguém “deixe de ver”, onde tudo é nome cara ideia instalação, justificando-se assim milhares que nunca sobram para quem de coração cria. Onde tudo é também inifinitamente pequeno, que parece não lá existir, mas existe, e custa milhões. E é nisto que estamos na Arte, por um lado aliena por outro desperta, enaltece, entusiasma, engradece, mas esvazia... quebra, mata, aniquila, corrompe, faz-nos querer ser outros que não nós. E é quando consigo (às vezes) acordar dessa estagnação que vejo que o que me vendem é um produto, uma Arte formatada por um desejo de capital e fama, sem principios éticos e artísticos, criada apenas com a função de nos “distrair”. Mas também sei que sou culpado de inepcia e falta de visão, ou de conservadorismo artístico, culpado de querer as coisas à maneira antiga, suor, lágrimas, luta, trabalho, amor, sonhos impossíveis... arte é arte... mas não pode ser um livro fechado, ou uma banana, ou ferry boat, ou avião comercial. A tinta tem e deve sair da ponta dos nossos dedos em ferida. Porque estamos todos doentes, curamos-nos e curamos. E é nesta intuição curativa que nos devemos entregar e fazer aquilo que fazemos, sem competição, bem-comum que é partilhado e sentido, mensagem limpa e cristalina de que a única constante da vida é a mudança e que amanhã não somos quem hoje fomos.

E é neste processo de entrega que me sinto subjugado a interesses que ainda hoje me são completamente alheios e indiferentes. Mas como consequênçia o “canal” de exposições se encontra quase-sempre bloqueado: ou por falta de seguidores no Instagram, ou por falta de estudos académicos, ou por falta de dinheiro, ou por falta de contactos, internet ou portfolios PDF, ou por burcoracias municipais sem fim, ou porque “não se vende”, ou por falta disto e daquilo e no fim as migalhas que sobram são, para a maior parte de nós, o único alimento. Resta desenhar desenhar desenhar, pintar pintar pintar...

E é dizendo isto que enalteço a 100x100, que nos abriu portas incomensuráveis. Mas não apenas a nós artistas... Ainda assim, livres-pensadores, amassando o nosso pão. Como dizia Agostinho da Silva, “eles safam-se”. Mas nem sempre...e não só. Porque não é só um arrancar os rabos do sofá, ou um afastar das pupilas da dilatação dos cristais do “smart”phone, ou de sensações meta-flexíveis. É uma cura, uma cirurgia mental sem anti bióticos onde cada ser, acredito, se eleva e na inspiração trazida pela janela 100x100 qualquer coisa molecular remexe no fundo do tacho dos nosso problemas e vemos as coisas da vida com uma outra tonalidade, uma cor efervescente que se dissolve nas águas da esperança e que faz com que o observador seja outro-eu dando continuidade aquilo que se esqueçeu de sonhar. Quando me dei conta que era Artista dei-me conta por opção, entre tantas outras coisas que senti que podia ser. Escolhi, obviamente, a mais “miserável” de todas... Miserável? Às vezes acontece-me invejar os vagabundos, esses miseráveis de roupa suja e versos de alma lúcida porque comer e beber tornou-se-me quase mecânico, porque o artista não come nem bebe, transpira... cria, transforma, organiza, destrói. Inspira. E expira. E às vezes até consegue verdadeiramente amar… A falta de alimento não é só falta de farinha, nem de fermento, é, como dizia Miller na Carta Aberta aos Surrealistas, uma fome espiritual... E é nisto que estamos. Encontramos-nos num beco de poucas saídas, de boca tapada, com véus e burkas mentais, onde as crianças pararam de brincar e de sorrir. Receber um abraço passou a ser um risco de vida ou morte e o beijo inacessível... “essa peste escarlate e virulenta...”. Os olhares cabisbaixos alimentam-se de asfalto. Os sonhos feitos de metal-aço que enferruga às primeiras águas da chuva. E é aqui que todos entramos de rompante, para organizar de novo o mundo e abrir janelas. Tornar-me Artista foi uma imposição da Vida, foi uma revolta-rebeldia, uma libertação de todos os medos, um apagar de todas as dúvidas impostas. Uma re-educação. Mas ainda hoje me dizem: “vai trabalhar”. E lá vou eu todos os dias agarrar na enchada e cavar a terra dos meus desenhos. Todos os dias... Porquê? Porque sei... sei que aquilo que faço todos os dias também a ti te liberta, acredito que aquilo que fazemos todos os dias sem perguntas, sem certezas, sem amanhãs, nos liberta a todos. Acredito nisto.

Acredito numa 100x100 onde o ser Humano se encontra com uma nova possibilidade, um novo entusiasmo, uma nova emoção, um novo sentimento, uma velha e eterna esperança. Uma inspiração que já não encontra nas lojas e nos centros comerciais. Digoisto com o meu espírito de criança ingénua, mas sonhadora. Acredito que ninguém sai indiferente ao encontrar-se diante de uma mensagem de liberdade, de efusão, de cor e de tinta. Somos palavra e é nesta palavra que nos devemos entregar para que o livro se forme, sem competição, e mais e mais de nós se libertem, se entreguem, se mostrem e se encontrem, partilhando aqui e ali a sua voz.Pessoalmente, para bem e para mal, estou fora do circuito da arte. Até há uns dias atrás conhecia pessoalmente poucos artistas, mas conheçia as suas lutas que são também as minhas. Mas agora a Vida proporcionou-me este reencontro, quase-vadio, feito de distânçias naturais, sem artíficios tecnológicos, sob silençio interno, eterno. E percebi: foi preciso uma 100x100 para rebuscar dez anos de estudos em papel e re-criar uma nova luz solar; Uma 100x100 para nos dar Luzia, e ser ela, uma 100x100 para trazer ao de cima memórias de indentidade, processos de individualização cósmica onde por fim se entregou a alma ao papel, sedimentos de rocha que criaram novas camadas à nossa fragilidade, dando-nos força, e tantos mistérios do mar por detrás de cada janela, mistérios de mistérios, macro-micro-cosmos-nós que dão preserverança e continuidade a uma criação que não pode estar parada, nem atormentada. Por isso, meus queridos amigos, não parem de trabalhar, de criar, de se encontrarem e de se perderem, de juntos abrirmos mais “kalimeros” na caixa de pandora da nossa subjectividade. Os vossos trabalhos são maravilhosos e dão ao mundo sedento maravilhas de beber, dão ao mundo o infinito universo do conheçimento, de nós mesmos, pressionando para Sul o Norte, para Este o Oeste, o dentro fora, um “Ultimum Canticum” com as nossas vozes em mutação, cantos de nós mesmos, “integrando o ritmo pela forma com a diversidade”. Criem, amamentem-se sem medos, preconceitos, dúvidas. É fundamental instalarmos-nos nesta continuidade de criação e de exposição, atear as mentes, e apagar as guerras, porque a 100x100 re-criou-nos. A sua mutualidade e liberdade fez-nos artistas que não eramos. Algo mudou... sinto isso em mim e em vós. Agora pensem em todos os outros que estão para Ser... na arte que está para “florir”, na Primavera que depende de nós... E é quase por isto que vos escrevo, pelas Primaveras porvir. Pelas 100x100 em que podemos dar (a)mar. Tudo isto me faz exprimir, ser. Porque eu não conheço “esse” outro mundo da arte, nem as suas manhas, nem os seus jogos, nem os seus interesses. Mas já tive a minha dose de frustações para perceber que esse mundo não difere tanto do mundo operário em que trabalhei. É uma batalha: Vendi desenhos na rua: a policia confiscou-me dezenas de vezes os meus trabalhos. Vendi nas ruas, nas feiras, nos festivais, vendi, como W.W., porta a porta. Orgulhoso, pedi comida nos restaurantes, aos vizinhos, aos amigos. E nunca me senti tão feliz. Feliz porque era Eu, feliz porque era Livre, feliz porque o Tempo era o cinto das calças que não usava. Era Inteiro porque dava ao mundo algo que não existia. Entregava aos olhares algo que eles não sabiam como ver. E a fome e a sede eram inspirações próprias, eram desenhos por fazer, eram tintas vertidas por cima de pratos de arroz sem sal. Mas não tem que ser sempre assim, não tem que continuar assim, não deve propagar-se para sempre assim… Varremos e limpamos com esfregona paredes e chãos de casas infestadas de pó negro espiritual que a labuta quotidiana e os maus salários impregnam; raspamos o bolor, o salitre, as manchas de humidade; lavamos pratos sujos de gordura de supermercado, fast-food ingerido por fast-movies, instantes à grama que apenas dão ilusão e Ego. E é sabendo isto, interiorizando isto, que tão em paz, tãos cheios de força e energia, somos todos tão pequenos Deuses - porque somos todos à nossa maneira pequenos Deuses, não é verdade? Deuses que realmente sabem criar e fantasiar. Deuses que sabem entregar-se, mostrar-se e que não se escondem por detrás das nuvens ou debaixo do Sol ou nas profundezas do mar, ou nos Livros antigos. Somos Deuses de alma física, dotados de poder e visão, de partilha, de mudança, de Vida.

Então vamos a isso... É um apelo, se o quiserem aceitar como tal. Um cantar a pleno pulmões. Porque assim acredito que tudo se tranforma. Devemos lutar todos pelo nosso trabalho, colectivamente, e criar mais espaços, mais diálogo e entregar-mos-nos intuitivamente à descoberta do outro, dos outros, de todos aqueles que somos desconhecidos, e fazer com que a 100x100 perdure e que continue a rasgar o tecido negro em que a Arte se embrulha para que a verdadeira Luz possa entrar e iluminar a vida. Porque só no colectivo o individual existe. Não estamos sozinhos, somos eu-tu, individualmente colectivos, e assim crescemos aprendemos compreendemos evoluimos.

Seja o que fôr... começou. A 100x100 Representa e É. Existe, Existirá. Cabe a cada um de nós dar a parte da sua Mão, a cor da sua Tinta, o espaço da sua Casa, o Lugar do seu Tempo, parte dos seus Recursos, metade das suas Ideias, para que de facto possamos trazer a esta Vida de Todos esta Arte para Todos. Seja o que fôr...

Um grande obrigado a esta “Canção da Borboleta”, ao Rui. A esta magia simples, a esta conquista de um espaço meu-teu-todos, onde cada um de nós pôde finalmente exprimir-se livremente e dar continuidade aquilo que lhe é próprio sem as amarras e os nós gordianos desta estranha teia em que estamos todos metidos. Reentremos então num novo verbo, almas velhas nas novas, 100x100´s pelo mundo fora e neste caminho descobrir caminhos, artes e vidas e velas acesas”.

João David Araújo Zilhão