De um retábulo antigo, de um lugar sagrado em que o mundano
se observa e se reflecte, de um alpendre esquecido pelo tempo retalhado no
espaço e separado em peças e maquinações coloquiais, do centro de todas as
partes de uma árvore-consciência, da energia que a eleva, das raízes que a
seguram, da luz que envolve todas as suas folhas, penas-pavão, densidades
mágicas, texturas e padrões, manifestações etéreas de uma ilusão concertada na
realidade, na ausência de um ponto único, de uma primazia, na ausência de uma
perspectiva única, de uma âncora inamovível, na ausência de um sentido prático
ou visualização abstracta, mas presente em múltiplas construções contrastantes,
de um ponto multi-dimensional, intensidade na partição do pensamento em caixas,
em blocos, em escadas que remetem para o vazio e para a plenitude, para a luz
ou para a noite absoluta, ou para coisas prosaicas, para o quotidiano que se
esfuma a cada dia que passa, de um lugar qualquer, de um templo radicular,
contemplação adiada nas coisas para fazer, contenção nos voos oníricos que
sobrevoam as calçadas e as ruas, um desafio de infinitas fórmulas que se
subtrai como se não fosse importante, esquecido nos remoínhos solventes da
memória que se guarda das coisas, mas subliminalmente presente, um relógio que
não pára, deixando impressões em tudo o que se expande, em tudo o que se
contrai, em tudo o que está, em tudo o que vai estar, uma vibração que penetra
no âmago de tudo o que é solvente e o recicla, em múltiplas dimensões e em
nuvens que cruzam o céu, realidades retalhadas e espaços sagrados, árvores ao
vento e retábulos antigos, presenças e visões, ausências e premonições, o tempo
passa plos dias e deixa marcas na realidade que o próprio tempo se encarrega de
enredar, criando as múltiplas realidades que o dispersam, que o propagam, que o
dissolvem, que se expandem e que implodem, que revelam a essência, que revelam
o essencial, o primordial, o inacabado, o sentido cósmico, de uma janela sobre
a cidade observo a cidade, ausente dos meus próprios processos, e deixo-me
mistificar, de uma clareira no bosque observo o bosque, e deixo-me enredar,
prender-me nas múltiplas dimensões de um espaço retalhado que me observa, como
eu o observo, o universo à minha volta.
Rui Lorga
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