Todo o contador de histórias é um inconformista, alguém que não está disposto a calar e recalcar os seus desejos mais fantasiosos e quiméricos, alguém que não quer ver a sua alma coagida, normalizada e limitada na sua riqueza e nas suas mais inéditas e imprevistas potencialidades ao ponto de essa mesma alma ser forçada a cumprir normas de uma suposta sanidade e deixar de ser alma. Seríamos mesmo tentados a dizer que todo o homem é um contador de histórias e um criador de mitos, e quem não fantasia sobre a sua vida e a dos outros, quem não possuir uma certa propensão para a auto-mitificação, não é inteiramente uma pessoa, ou será, decerto, um pouco desalmada. O homem, neste sentido, "desalmado" detesta histórias e fantasias, vive, vive num permanente escrúpulo do "real" e da "verdade", é um perfeito conformista na sua forma de reverenciar e se subjugar apenas aos factos concretos, situáveis e prováveis, e gosta normalmente de apelidar aqueles que se afastam de uma pretensa objectividade dos factos e das coisas de "mistificadores", "esticados", anti-científicos", "mitomaníacos" ou mesmo "tão-mentirosos…". Para o homem desalmado, a verdade é o que se vê, o que é tangível, sensível, adquirível e de preferência noticiado nos media - vive colado a uma realidade exterior e na sua aparência carece de um mundo interior próprio, de uma verdade subjectiva, porque detesta o subjectivismo e, sobretudo, a inevitável e por vezes dolorosa tensão entre a verdade do interior e a do exterior. Com efeito, integro-me assumidamente, e com algum orgulho, no lado subjectivo da questão. Sou a antítese do homem desalmado, recuso-me compulsivamente a ser fiel àquilo a que penso ser "uma insípida sucessão dos factos", ou seja, à cinzenta e monótona objectividade dos factos geralmente demasiado prosaicos de que é feita a uma vida. Talvez esta inverterada tendência para o exagero da realidade e para a obstinada automítificação seja sintoma de uma personalidade excessivamente narcísica e egocêntrica, demasiado preocupada com a sua imagem e com o desenvolvimento de histórias maravilhosas e mitos que me sobrevivem e eternizam a alma. Crer essencialmente que a minha alma, através da imaginação e criatividade se enche das histórias da minha vida (onde sou quase sempre o centro das atenções) talvez como forma de compensar com beleza, humor, grandeza e eventualmente fealdade a pequenez da vida real, talvez para impressionar os outros ou apenas pelo prazer de abusar da sua capacidade de crença pondo em risco a minha credibilidade. Tanto posso ser visto como um mentiroso compulsivo ou um mitomaníaco que foge patologicamente do real como uma alma poética e criativa, ou alguém com uma vocação pretensamente artística quem sabe nunca convenientemente realizada. Alguém que transfigura, reinventa e subjectiva o real para o poder suportar. Mas, não terás tu também um pouco de mentiroso e neurótico? Se tens, sê bem vindo! Caso contrário, e se cumpres obsessiva e obedientemente as mais respeitáveis e assépticas regras de conduta e normas de sanidade mental - paradoxalmente, não será isso também um sintoma de doença (muito) grave?
Base de texto concebida por autor desconhecido dado todo o tempo que passou. Reescrevi-o de um jornal ou revista e adaptei durante o processo de cópia. Contudo, foi desenvolvido enquanto critica para o filme Big Fish de Tim Burton. É a única coisa de que me lembro. Se alguém souber quem foi. PFF que se acuse!
Ah cabrão que utilizaste esta foto! Mas ok, estás perdoado, que eu sou uma alma gentil, e a verdade é que gosto mais desta tua fotografia ;p
(sim querido, o texto a determinada altura assenta-te que nem uma luva...eu diria que nem tanto ao mar nem tanto à terra...por alguma razão se costuma dizer que no meio é que está a virtude...chegar ao equilíbrio é que é o verdadeiro desafio de vida. digo eu)
2 comentários:
Todo o contador de histórias é um inconformista, alguém que não está disposto a calar e recalcar os seus desejos mais fantasiosos e quiméricos, alguém que não quer ver a sua alma coagida, normalizada e limitada na sua riqueza e nas suas mais inéditas e imprevistas potencialidades ao ponto de essa mesma alma ser forçada a cumprir normas de uma suposta sanidade e deixar de ser alma. Seríamos mesmo tentados a dizer que todo o homem é um contador de histórias e um criador de mitos, e quem não fantasia sobre a sua vida e a dos outros, quem não possuir uma certa propensão para a auto-mitificação, não é inteiramente uma pessoa, ou será, decerto, um pouco desalmada. O homem, neste sentido, "desalmado" detesta histórias e fantasias, vive, vive num permanente escrúpulo do "real" e da "verdade", é um perfeito conformista na sua forma de reverenciar e se subjugar apenas aos factos concretos, situáveis e prováveis, e gosta normalmente de apelidar aqueles que se afastam de uma pretensa objectividade dos factos e das coisas de "mistificadores", "esticados", anti-científicos", "mitomaníacos" ou mesmo "tão-mentirosos…". Para o homem desalmado, a verdade é o que se vê, o que é tangível, sensível, adquirível e de preferência noticiado nos media - vive colado a uma realidade exterior e na sua aparência carece de um mundo interior próprio, de uma verdade subjectiva, porque detesta o subjectivismo e, sobretudo, a inevitável e por vezes dolorosa tensão entre a verdade do interior e a do exterior. Com efeito, integro-me assumidamente, e com algum orgulho, no lado subjectivo da questão. Sou a antítese do homem desalmado, recuso-me compulsivamente a ser fiel àquilo a que penso ser "uma insípida sucessão dos factos", ou seja, à cinzenta e monótona objectividade dos factos geralmente demasiado prosaicos de que é feita a uma vida.
Talvez esta inverterada tendência para o exagero da realidade e para a obstinada automítificação seja sintoma de uma personalidade excessivamente narcísica e egocêntrica, demasiado preocupada com a sua imagem e com o desenvolvimento de histórias maravilhosas e mitos que me sobrevivem e eternizam a alma. Crer essencialmente que a minha alma, através da imaginação e criatividade se enche das histórias da minha vida (onde sou quase sempre o centro das atenções) talvez como forma de compensar com beleza, humor, grandeza e eventualmente fealdade a pequenez da vida real, talvez para impressionar os outros ou apenas pelo prazer de abusar da sua capacidade de crença pondo em risco a minha credibilidade. Tanto posso ser visto como um mentiroso compulsivo ou um mitomaníaco que foge patologicamente do real como uma alma poética e criativa, ou alguém com uma vocação pretensamente artística quem sabe nunca convenientemente realizada. Alguém que transfigura, reinventa e subjectiva o real para o poder suportar. Mas, não terás tu também um pouco de mentiroso e neurótico? Se tens, sê bem vindo! Caso contrário, e se cumpres obsessiva e obedientemente as mais respeitáveis e assépticas regras de conduta e normas de sanidade mental - paradoxalmente, não será isso também um sintoma de doença (muito) grave?
Base de texto concebida por autor desconhecido dado todo o tempo que passou. Reescrevi-o de um jornal ou revista e adaptei durante o processo de cópia. Contudo, foi desenvolvido enquanto critica para o filme Big Fish de Tim Burton. É a única coisa de que me lembro. Se alguém souber quem foi. PFF que se acuse!
Ah cabrão que utilizaste esta foto! Mas ok, estás perdoado, que eu sou uma alma gentil, e a verdade é que gosto mais desta tua fotografia ;p
(sim querido, o texto a determinada altura assenta-te que nem uma luva...eu diria que nem tanto ao mar nem tanto à terra...por alguma razão se costuma dizer que no meio é que está a virtude...chegar ao equilíbrio é que é o verdadeiro desafio de vida. digo eu)
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