27 de maio de 2023

18 de maio de 2023

Verdade com sequência

 


 

O João David acolhe-me na sua casatelier desde Fevereiro com o objectivo comum de desenvolvermos a investigação artística de cada um em parceria cooperativa e desta fórmula crescer-mos num ambiente votado à arte, à compreensão da condição humana num constante lapidar da nossa massa crítica e até à data, ambos continuamos munidos de um par de orelhas. Na sua força, manifestação criativa, entusiasmo e verdade acreditei e acredito, não só ter reencontrado um amigo para a vida, bem como, levar a bom porto a terceira edição da 100x100 em Torres Novas. É, pois, um privilégio sem precedentes, no sopé da Serra D’Aire, comungar da devoção, o engenho, o primor de uma entrega sempre avant do Araújo Zilhão em torno da sua mesa de trabalho, o seu lugar elemento, o seu altar. De Sol a Sol assisto ao desenvolvimento da capacita acção de uma linguagem única assente numa estética única e identidade inflexível em crescente desenvolvimento, como se escrevesse para os anjos na sua linguagem, desenhos enormes sucedem-se numa certeza que desafia a abstração por composições e opções cromáticas que quebram a primeira análise sensorial e emocional, que provocam reclamando espaço e vagar contemplativo. O imediatismo dissolve-se quando se coabita com estes quadros nas paredes, porque no movimento perpetuado da luz do dia, no nosso reflexo e reflexão as composições metamorfoseiam-se em múltiplas leituras, fluxos e entoações que me projectam para outra compreensão alargando consciência. O timbrar do sopro do vento nas copas, a força da serra, a arqueologia da ancestral presença humana e a manifestação natural deste lugar são a matéria que prima, a massa que molda em entrega monástica num continuado exercício de alegria. Sabemos bem que algumas linguagens, propostas e correntes surgem antes do seu tempo num choque inevitável com a sua contemporaneidade, por conseguinte, sei que ter o privilégio de ver, caminhar com e partilhar horas de frontal diálogo com o João David é nutrir um enorme jardim pleno de espécies por nomear onde reina a simbiose e em cada folha desenhada ver medrar um canteiro de desejos e emoções que na vida e pela vida se manifestam. Assim, se reforça a posição de que uma só partitura não pode ser considerada um acto isolado. São ensaios, capítulos, contos que se sucedem numa mesma linguagem, num dialecto que amadurece belo e nutritivo, um caudal em expansão longe de secar por estar escrito que num futuro desaguará. Sabemos todos também, que a negação depois de integrada com verdade, leva à compreensão do outro que nos reflecte aprofundando o conhecimento de nós mesmos, o que nos torna mais fortes, plenos. Indispensáveis.

Recostado na almofada sou alumiado pela composição exposta no corredor – Harmonia da Cooperação – que com uma nesga mínima de luz permanece incansável a sua dança. Sorte a minha que agradeço sem esqueSer.

8 de maio de 2023

ia

 

 

 

"... Eu repito - prosseguiu com o dedo indicador em riste, enquanto na outra mão o copo cheio tremia  - repito: daí resulta a nossa obrigação religiosa de sentir. O nosso sentimento - compreende? - é a força viril que desperta a vida. A Vida está a dormir. Quer ser acordada para celebrar as bodas orgíacas com o sentimento divino. Porque o sentimento, jovem, é divino. O homem é divino na medida em que é sensível. É a sensibilidade de Deus. Deus criou-o para sentir por intermédio dele. O homem é apenas o órgão por meio do qual Deus realiza as suas bodas com a vida desperta e ébria. O homem que fracassa quanto à sensibilidade, avilta a Deus, e a derrota da força viril de Deus, é uma catástrofe cósmica, de um horror inimaginável"...


Thomas Mann
in A Montanha Mágica