21 de outubro de 2011

Tempos Modernos





A História:

O ponto de partida da nossa história é numa cidade. Uma cidade como outra qualquer, uma cidade na Alemanha no pós-guerra, uma cidade em Portugal em pleno século XXI. Há muitas diferenças entre elas? Talvez não.

Os Tempos Modernos vieram para ficar, hoje mais do que nunca – e é nas cidades que eles entram debaixo da nossa pele. De cada vez que vamos ao chapeleiro, ou à farmácia, ou a uma loja de máquinas fotográficas, de cada vez que ouvimos uma plaina gigantesca por cima da cabeça, indagamos tal como Wanninger, o encadernador: será que nos estão a ouvir? Será que a velocidade a que vivemos ainda nos permite parar para ouvir O OUTRO?

 


"Um mundo novo não só é possível, como vem a caminho. Num dia calmo(?), eu consigo ouvi-lo a respirar".

Arundhati Roy



Elenco: ANDRÉ RAPOSO, CLÁUDIO HENRIQUES, DIANA RIBEIRO, ERICA RODRIGUES, GONÇALO MORAIS, GUILHERME BARROSO, JOANA PATO,  LEONARDO DIAS, MAFALDA LOPES, MANUEL COELHO, PEDRO FORRA, RUI FERREIRA, SARA ALÃO SOARES, SÓNIA POMBO, TELMO RAMALHO,
Encenação: PEDRO MARQUES
Música e participação especial: LUKE D’EÇA
Cenografia: DEVIR E DAVID ALVES
Adereços: MANUEL COELHO
Fotografia: MARGARIDA FERREIRA
Figurinos: DIANA RIBEIRO, MAFALDA LOPES, ANA SOFIA ANTUNES
Produção: FORMAÇÃO TEATRAL

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O convite para que fizesse o projecto de cenografia desta peça resultou na integração de várias técnicas e estéticas integradas no mesmo espaço mas em diferentes tempos. A concepção de um ambiente que potencie a encenação dramática, que a integre e se integre foi, pela segunda vez um desafio que resultou num ambiente cénico, mas também numa exposição... moderna e cujo resultado vai estar disponivel e para aquisição.

Arte e Teatro complementam-se durante um mês no salão teatro da Guilherme Cossoul. Os Tempos Modernos? São agora e sempre.

Imperdível e solúvel. Avenida D. Carlos I 61 1º


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1 comentário:

Devir disse...

Karl Valentin escreveu estes textos entre 1906 e 1946, desde os furiosos tempos do futurismo até à sociedade nuclear do pós-guerra. Quarenta anos em que o mundo mudou radicalmente. Mas será que a vida moderna de que Valentin fala mudou assim tanto? Continuam ou não a serem os trabalhadores a fabricar as armas de guerra? Continuam ou não as guerras a determinar o nosso emprego, aquilo que fazemos para ganhar a vida? Qual é a relação que há entre o nosso
desemprego e a guerra económica que grassa pelo mundo fora neste início de século XXI?

As perguntas de Karl Valentin não terminam aqui, ele deixa-nos entrever um pouco do problema. Ele levanta o véu da incomunicação que mina primeiro e irrompe depois em todas as relações humanas. E aí Karl Valentin é como uma máquina trituradora. O humor que se solta dos sketches e piadas é preciso e
exato como um bisturi, nada escapa à sua lógica demolidora. Quando começamos a olhar os textos de Karl Valentin com a precisão e minúcia com que ele os escreveu, descobrimos que as supostas "piadas” são dificuldades em lidar com o mundo tal como ele é: manifestam-se seja através de uma lógica férrea que raia o absurdo, seja através de sinais de deslocamento do caráter das pessoas
por causa do seu conflito com o mundo. Na carta de amor, por exemplo, o verbo escrever é símbolo do isolamento da personagem, cada vez que ela o refere é como se pusesse um prego a mais no caixão do seu isolamento. Ao mesmo
tempo, funciona como gag, através da repetição.

Os textos de Karl Valentin oscilam entre esses dois mundos e devem ser re-apresentados tendo em conta essa duplicidade. O mundo do bobo que revela a verdade nua e crua e o realismo que despe as personagens nas suas intimidades
mais privadas. As personagens, apanhadas na armadilha das contradições modernas debatem-se ao princípio, com alguma dificuldade, mas emergem
sempre com a dignidade suficiente para nós nos podermos rir delas. Seja no volte-face de Valentin no sketch do polícia, reagindo à autoridade cega do guarda, seja no reconhecimento do nome do medicamento ou na ironia do teatro
obrigatório que ele nos propõe.

Os tempos modernos de Karl Valentin são também os nossos porque a nossa incompreensão é a mesma. Não ficamos nós ainda a indagar do nome dos medicamentos de hoje, pensando se a sua prescrição não será apenas mais um
negócio do mundo das farmácias? Não desesperamos nós com a chegada tardia de um novo eletrodoméstico ou pulamos de alegria com um novo gadget? E os chapéus, usam-se ainda, ou não? E não continuamos nós a escrever fastidiosas cartas repetitivas e inúteis nos nossos facebooks e mails? E os teatros não
continuam a estar vazios sem o teatro obrigatório?

Para mim, os textos de Karl Valentin falam da dificuldade de falar por cima de todo o ruído que nos rodeia. Como se todo o mundo fosse uma enorme plaina mecânica a trabalhar ininterruptamente e nós aquela personagem que prossegue
repetitivamente a sua história, sem se preocupar se está ser ouvida.
Será essa a tragédia da vida moderna, saber como comunicar com os outros?

Como se põe em cena a tragédia da nossa incomunicação diária?

Nestes textos, Valentin entra em confronto com o mundo repetitivo, vazio, inócuo, encontrando-lhe falhas onde menos se espera, por isso, em certo sentido, todos nós teremos de ser Valentins à procura das falhas do mundo quotidiano, e em certo sentido, queremos que também as pessoas que virão ver
este espetáculo sejam Valentins e habitem o mesmo espaço que os atores: numa cidade. Pois os tempos modernos são sobretudo os espaços urbanos, impessoais,
vertiginosos, onde as mudanças fervem sempre primeiro.

Queríamos por isso que tanto público como personagens/atores vivessem o mesmo espaço, e estando perto, como na vida, vissem e mostrassem, como numa lente de aumentar, como são as vidas destas personagens frágeis, tão frágeis que às vezes não parecem mais que um estilhaço, um dano colateral.

Pedro Marques
Encenador