10 de junho de 2013

Grotugal




Grotugal
200 x 73 cm
Técnica mista sobre porta de roupeiro sueco reutilizada vezes sem conta.
Grotugal é um reflexo do estado da arte de Portugal: Grotesco.



Em Portugal, o dia 10 de Junho era o de Camões, foi o de Portugal e agora é o das comunidades. Monetáriamente comuns.
Em Portugal, comunicar significa pagar mais que qualquer outra pessoa de um estado europeu por um acto que leva ao desenvolvimento económico, inter-relacional, profissional e humano.
Em Portugal, o combustível necessário para um desenvolvimento económico não baixa em função do valor de aquisição da matéria-prima mas aumenta em função de uma estratégia de controlo social e lucro fácil.
Em Portugal contrariam-se 800 anos de história de independência escritos com o sangue de dezenas de gerações de portugueses.
Em Portugal a cultura é abafada como despesa supérflua e um Ministério com essa pasta foi um corte orçamental e um sector fundamental para o desenvolvimento da entidade, criatividade e desenvolvimento social de um país é uma incógnita á deriva.
Em Portugal a maioria da população está contra as medidas do Governo para fazer frente á situação de bancarrota decretada pelo Banco Central Europeu, e não existe a capacidade de organização e mobilização do povo para levar a cabo um boicote ao sistema partidário, e implementar um novo conceito de gestão do país que defenda justa e directamente os interesses do se povo bem como o seu enquadramento no mundo através de uma política externa lógica e eficiente.
Em Portugal a criminalidade política e os casos de corrupção são mastigados por uma retórica tão apaixonada que levam a uma adormecida luta no sofá.
Em Portugal, desenvolve-se um esforço intelectual considerável a discutir mais um desnecessário acordo ortográfico cuja implementação não só nos afasta da raiz latina da nossa língua, como deixa muito bem ocupadas muitas cabeças que podiam estar a pensar e escrever sobre questões que acrescentassem realmente algo importante.
Em Portugal a ética, a verdade, o relacionamento humano e direitos de cidadania essenciais definham como reflexo das medidas de austeridade.
Em Portugal, o real valor de uma palavra de honra, do aperto de mão e do abraço estão em risco de contrair gripe de uma estirpe cientificamente muito complexa.


 Em Portugal, duas gerações de um pós guerra colonial chocaram com a heroína e com a cocaína, ganhou-se com a informação, com os centros de recuperação e muitos medicamentos, hoje, fertilizam-se os neurónios dos adolescentes e passa-se factura.
Em Portugal, proibiram-se e controlam-se as produções caseiras que estavam na base da subsistência, da praticamente inexistente população rural. Linhagens de conhecimento ancestral de produção terminaram para dar lugar a superfícies que vendem alternativas produzidas industrialmente e quase sempre com distancias de transporte em nada sustentáveis.
Em Portugal, como num tubo de ensaio, é aplicada uma estratégia de anexação económica que está desenhada á muito tempo e com predadores e presas bem definidos.
Em Portugal, ainda não se compreendeu que a maioria das doenças degenerativas derivam da contenção de instintos básicos, de impulsos e  necessidades que foram afastadas por necessidades que foram criadas visando a capacidade de escoamento de mercados. Visa?
Em Portugal, os erros e atribuição de culpa cometidos no passado continuam a ser o tema de conversa que impede o debate de soluções para o futuro.
Em Portugal, o planeamento, o património, e a gestão do território natural é uma incógnita em chamas todos os verões.
Em Portugal, nos dias que correm, ter a coragem ou a surpresa de se ser pai, significa contribuir, ainda em gestação, com um devedor de 20.000 €.
Em Portugal, vende-se o país quando faz calor e demonstra-se «conhecimento de causa» quando se refere em conversa fresquinha a expressão silly-season.
Em Portugal, o mais, o menos, o melhor e o pior, o certo e o errado são incutidos desde bem cedo para não deixar margem para só ser, só acreditar, só experimentar e questionar livremente. A competição é uma disciplina obrigatória e quem não tem aproveitamento está «condenado a varrer ruas».


Em Portugal, ainda está por perceber, que quem varre as ruas tem o poder nas suas mãos porque se fizerem greve não adianta ter motorista, guarda costas ou o corpo de intervenção, porque a merda que fazemos ao consumir tudo o que não precisamos vai entrar pela janela num cenário de Deus nos acuda.
Em Portugal, o mestre Carlos Paredes ou vendia drogas muito boas, vivia de rendimentos, dava aulas de música, seguia para Marte com bilhete só de ida, ou foi escriturário toda a sua vida.
Em Portugal, ainda se confunde expressão artística com quadros bem bonitos que ficam um luxo com os cortinados da sala.
Em Portugal defender a bandeira nacional e cantar o hino sem conotações idiotas só é possível quando joga a selecção.
Em Portugal, os outrora heróis do mar fazem publicidade a produtos bancários e shampoos anti-caspa, o seu corte de cabelo é destacado nos jornais e a total ausência de responsabilidade social brilha em colecções de automóveis cujo valor ultrapassa velozmente alguns anos de alimentação e ensino de todas as crianças que vivem em condições miseráveis no bem bonito jardim do arquipélago da Madeira.
Portugal vendeu a sua energia a um grupo chinês. É portanto normal que cada cidadão quando acende a luz contribua mensalmente para o plano de alargamento económico asiático e siga a dança.
Portugal foi «competitivamente» viciado em doutores para que a capacidade de resposta através dos seus recursos naturais se torna-se num estigma social.
Em Portugal engolem-se  medicamentos por tudo e por nada, mas está-se bem, faz solinho.
Em Portugal, a portagem da ponte 25 de Abril ainda continua e aumentou porque a manutenção é muito cara sobretudo quando o povo se  mobiliza em descontentamento em frente da policia de intervenção ao serviço da privatização.
Em Portugal, nascemos e crescemos em cenário de «crise» desde que existe açorda e dai se conclui que não pode haver melhor justificação para atentar contra a vivência de um povo e que alimentar essa ideia é uma perca de tempo em detrimento de soluções concretas e alternativas.


Em Portugal ainda se vive das aparências quando não se têm soluções.
Em Portugal toda a gente tem uma boa solução para tudo quando está deitado a apanhar Sol mas a realidade é um pranto cheio de sombra.
Estar em Portugal tornou-se doentio porque o adormecimento e apatia das pessoas é cultivado sem escrúpulos por uma programada comunicação social a serviço de um governo (des)controlado pela finança mundial.
Em Portugal todas as pessoas da minha geração podia ter escrito este texto mas não o fazem porque estão demasiado ocupados com a sua sobrevivência num clima cravejado de medo.
Em Portugal, a dinâmica, a perseverança, a criatividade, o reconhecimento e o sonho são vulgarmente a inveja de alguém.
Em Portugal, ser artista é nascer rico, ser louco, marginal, ganhar a sorte maior, ter tido reconhecimento e visibilidade além fronteiras ou ter morrido.


Em Portugal, ainda se escrevem nomes de ego hip nas paredes e sem mais que isso se contribui para uma distante visão pop que justifica gastos estúpidos em brigadas anti-graffiti.
Em Portugal, a massa crítica é inexistente ou previsível e quase sempre desencadeada por quem trocou as regras do jogo e com ele lucra aparências.
Em Portugal, ser jornalista é trabalhar para um grupo de manutenção de poder, esquecer a investigação e a pesquisa que serve o interesse público, ou trabalhar na restauração.
Em Portugal, enquanto a Islândia saia para a rua para exigir um modelo político para e do povo bem como a prisão dos culpados que levaram o país a uma dívida sem precedentes, nós viamos três telenovelas seguidas de um filme americano cheio de medo a começar pela noite a dentro.


Em Portugal, foi posto no circo da Presidência da República um economista que levou ao abate de frotas e desbaratou as cotas de pesca de um Atlântico que, desde que o tempo é tempo, alimenta as raízes do país que preside.
Em Portugal, a classe política, refinadamente, substituiu ego e poder por coragem e povo.
Em Portugal, o fato e a gravata tornaram-se na arma do ladrão e continuam a meter mais respeito que um fato de macaco com as nódoas de trabalho.
Em Portugal, é impossível fazer 100 metros na cidade sem se ser repetidamente agredido por layouts com publicidade, mas os tags dos putos estão "mal muito mal e são uma porcaria sem jeito nenhum".
Em Portugal, mistura-se muito bem: arte, contemporaneidade, plasticidade, conceitos, textura, estética, semiótica, edição e vivência artística com bués de likes.
Em Portugal, parece ainda ser uma estranha questão a de que a Humanidade vive um momento de profunda mudança relativamente á forma como se enquadra global, social, pessoal e espiritual sem mente.


Em Portugal, festejou-se a construção de estádios e grita-mos Euro!! a maior dívida externa contraída pelo país, e tivemos quase lá, mas campeões foram num acaso os que estão agora gregos na Grécia.
Em Portugal, ajusta-se a data da manifestação, acerta-se a combinação, e adia-se a necessária mobilização, porque amanhã joga outra vez para a Taça de cheio o meu implacável Benfica.
Em Portugal, educação, entre-ajuda, honestidade, gentilidade, verdade e camaradagem são um incompreensível e perigoso comportamento.
Em Portugal, o fado da vida dos outros e a mesquinhês é ainda o melhor dos bálsamos para o esquecimento e sobreposição do nosso.
Em Portugal, fomos levados a esquecer que a Europa sempre esteve mais longe do que unida e de que os pasteís de Belém vêm com canela desde sempre.
Em Portugal, karma e shakras ainda são considerados produtos gourmée ou derivados de arroz xau-xau.
Em Portugal, quem descontou toda a vida para uma "Segurança Social", quando necessitar de assegurar a sua sobrevivência conclui que o estado social planeado na fusão de todas as caixas de previdência que funcionavam foi roubado por gestão criminosa.



Em Portugal, a justiça ainda tarda e muitas vezes falha.
Em Portugal, morreu um rei na praça para nunca mais acordar, as revoluções são feitas em paz, com cravos e na hora certa da chegada de um comboio carregado de boas intenções importadas.
Em Portugal, somos anfitriões de pessoas de todo o Mundo que juram quase sempre voltar e voltam, mas esquecemos-nos disso com diligente assiduidade.
Em Portugal, são educados por um sistema pago pelo povo, milhares de profissionais que são exportados e fazem a diferença em todo o mundo.
Em Portugal, o subsídio de desemprego mais umas por fora ainda é motivo de orgulho porque está calor.
Em Portugal a ausência de alternativas e capacidade de resposta está ser perigosamente assimilada pelas gerações mais novas.
Em Portugal, a classe universitária não se pronúncia sobre o afundamento do mercado de trabalho que supostamente vai integrar, porque está praxadamente embriagada com as fitas das queimas das mulheres gordas que não lhes convêem.
Em Portugal, paga-se bem caro os erros de cálculo de corpos de administração de bancos em bancarrota e os responsáveis seguem impunes o investimento nos políticos de todas as cores que patrocinaram nas eleições.



Em Portugal, ainda se debate que um partido pode vir a ser melhor que o outro sem que se entenda que o Parlamento é uma central de negócio e que democracia tem de ser isso mesmo mas virou mentira demagógica.
Em Portugal, os velhos são só velhos e as suas memórias e sabedoria não são aproveitadas no auxílio da educação dos mais novos.
Em Portugal, mudar dá muito trabalho e pode até ser um atentado contra a segurança de estado.
Em Portugal, as escutas telefónicas e a análise de dados confidenciais serve para controlar, antecipar e indicar estatisticamente padrões de comportamento social e de consumo.
Em Portugal, eu temia pela minha integridade se publica-se este texto.
Em Portugal, eu estou onde nasci e em Liberdade cresci, onde está a minha família, onde conecto com as minhas origens e tribo. Mas não chegou.
Em Portugal, eu dei o meu melhor durante muitos anos mas essa questão de nada serviu para me congelarem contas bancárias e me tentarem converter a uma vida miserável sem qualquer nexo, não conseguiram, sou mais que um número, sou português e amo demasiado o meu país para ficar "normalmente" sedado a ver chefes de familia sem solução a chorar na rua.
Em Portugal, a hipócrita normalidade apática tornou-se no peso insustentável de quem tem de ir ou estagna.



Longe de Portugal, descarreguei aqui o que me prendia. Mas também é nesta distância e na adaptação que sinto e torno viva toda a herança cultural que me corre no sangue. Com muito pouco, temos uma incomparável bagagem humana. É, não de menos, o que realmente possuimos, uma humanidade, integração e compressão de outras culturas que consiste no maior dos legados, e que não pode, não deve nem será nunca ser esquecida, porque dai advém tudo o que podemos vir a ter sem que nos condenem a ser parte integrante de um plano anexo. E mudo.











1 comentário:

Unknown disse...

BOM!
Diria mais MUITO BOM!!!